Aos filhos, raízes e asas (mas segundo um pai italiano)
𝑨𝒍𝒅𝒐 𝑫𝒆𝒍𝒍𝒂 𝑴𝒐𝒏𝒊𝒄𝒂
Dizem que é oriental a origem da frase. E quando dizem isso, quase sempre dizem com os olhos semicerrados, como quem bebe chá de jasmim e observa o tempo escorrer em silêncio. A frase — ah, a frase! — é bela como um ideograma desenhado no vento: “Aos filhos, dê raízes e asas.”
Raízes para que saibam de onde vieram.
Asas para que descubram para onde vão.
Uma espécie de haicai sem métrica, mas com alma. Um conselho que parece ter sido soprado por um ancião sob uma cerejeira, enquanto a primavera o vestia de pétalas. A ideia é simples, sábia, quase impossível de contrariar. E, por muitos anos, tentei vivê-la.
Dei raízes, ou pensei ter dado. Contei histórias da família, mostrei fotos antigas em álbuns manchados de dedos e azeite. Ensinei o nome das cidades que moravam na nossa pele: Brindisi, Lecce, Milano — como se fossem santinhos de bolso. Repeti receitas da nonna, entre um exagero e outro, como manda a tradição.
As asas… essas, confesso, tentei oferecer com um pouco mais de cerimônia. Não é fácil embalar um par de asas e dizer: vai.
Vai descobrir o mundo.
Vai tropeçar.
Vai amar errado.
Vai passar frio longe de casa.
Vai ser outro — e não mais o mesmo menino da sala com cheiro de polenta.
Aos poucos, percebi que minha generosidade oriental tinha limites mediterrâneos.
Porque, no fundo — e que o Buda me perdoe — eu queria era que os filhos voassem só o suficiente para darem uma volta no quarteirão, e depois pousassem no mesmo ninho, com os sapatos sujos da rua, mas o coração ainda morando na cozinha de casa.
Tem algo de profundamente italiano nisso de desejar os filhos sempre por perto. Não como posse, não como gaiola… mas como quem diz: fica mais um pouco, la tavola tá posta.
Come mais uma vez comigo.
Finge que ainda somos os mesmos por mais um domingo.
A frase é linda, sim. É sábia, sim.
Mas cada vez que eu tentava ser esse pai zen, com voz de monge e alma desapegada, logo vinha uma vontade de ligar perguntando:
— Mangiaste oggi, figlio mio?
E lá se iam as asas, batendo contra a moldura da janela.
A verdade?
Sou muito pouco oriental.
Tenho mais de basilicata do que de bambu.
E se isso me faz um pai menos moderno, que seja.
Prefiro um filho com raízes de mais do que com asas de menos.
Aos filhos, raízes e asas.
Mas se der pra eles voarem e voltarem pro almoço…
Ah, isso sim é sabedoria milenar. À italiana.
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