Crônica: Sonhar de Dia Dói Menos

Crônica: Sonhar de Dia Dói Menos

Aldo Della Monica


Sofri muito esta noite.
E de manhã foi pior ainda.

Não sei se era o corpo pedindo trégua ou o espírito querendo sair pela janela antes de mim. Dormi em pedaços, como quem tenta costurar o vazio com linha fraca. São esses sonos que não seguram ninguém por muito tempo. Acordei pouco antes do meio-dia, com o sol já cansado de esperar que eu me levantasse para viver.

Mas, de repente — como quem acha dinheiro esquecido no bolso — percebi que a dor tinha sumido.

Sem aviso, sem negociação, sem barganha com o divino.
A dor simplesmente… foi.

Nesse instante banal e glorioso, a vida pareceu outra coisa. Um brinquedo antigo reencontrado no fundo do armário, um pão fresco numa manhã de domingo, um trem passando devagar por uma estação vazia. A vida, de repente, parecia feita para ser muito vivida.

A ausência da dor tem um poder que ninguém ensina na escola.
Quando ela vai embora, a vida volta a ter gosto. Volta a caber no corpo. Volta a fazer sentido até nas coisas mais miúdas: o barulho da chaleira antes do café, o cheiro do sabonete velho na toalha de rosto.

Foi nesse instante — talvez o mais simples dos milagres — que pedi a Deus, com a delicadeza que só quem já gritou em silêncio conhece:
me deixa assim. Sem dor. Só isso.

Não quero fortuna, não quero glória, não quero aplausos nem promessa de eternidade.
Só quero estar bem o bastante para me dedicar à vida.
À vida miúda, à vida boba, à vida inteira.

Porque a verdade é que andei correndo demais atrás desse dinheiro que nunca me quis. Um amor não correspondido, o dinheiro. Me ignora, me sabota, oferece promessas que nunca cumpre. E eu aqui, feito bobo, tentando fazer as pazes com ele enquanto a vida — essa sim generosa — me esperava na esquina, com um sorriso tímido e um banco de praça vazio.

Eu preciso de paz.
Mas não aquela paz de comercial de margarina, com grama verde e crianças sorrindo.
Preciso de uma paz sem dor. Uma paz que me permita continuar sonhando de dia, como sempre fiz.

Sonhar acordado — esse vício antigo que nunca me matou, mas sempre me salvou.

Quero sonhar sem medo, sem dívida, sem culpa.
Quero pensar no futuro como quem escreve bilhetes em guardanapos.
Quero fazer planos só para ver se florescem.
Quero que a única preocupação da minha existência seja o próprio sonho.
E, se possível, que ele seja bonito.

Não peço muito.
Só que o corpo não me atrapalhe mais.
Que o mundo pare um pouco de gritar.
Que a conta do mês esqueça de mim.
E que Deus — com sua ternura silenciosa — me dê dias de sol sem febre, noites de brisa sem sobressalto, e esse punhado de lucidez que me permite escrever isso agora.

Porque, por incrível que pareça, hoje a vida está aqui — serena e inteira — esperando que eu a viva.
E eu… estou com vontade.





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