A luz do poste e o poema esquecido
A luz do poste e o poema esquecido
Aldo Della Monica
Na calçada cinzenta da Radial Leste, entre buzinas, fumaça e urgências de fim de mês, ela se aproximou com passos treinados para não esperar nada — nem perguntas, nem poesia.
Mas a pergunta veio. E não era sobre preço. Era sobre versos.
— Você gosta de poesia?
— Adoro!
Estendi o papel. Escrevi minutos antes, ali mesmo, entre o estalo de uma sirene e o balé dos faróis. Ela pegou como quem recebe um bilhete de sorte, desses que se encontra em garrafa ao mar.
Pelo espelho retrovisor, vi que ela não leu na hora. Se afastou do meio-fio como quem se retira do palco. Foi até a luz amarela de um poste, inclinando o corpo como se o poema tivesse peso. E tinha.
Fiquei ali, parado, invisível. Como se minha função no mundo tivesse sido cumprida por aquele ato: oferecer poesia a quem o mundo só oferece pressa.
Não sei se ela gostou do que leu. Talvez tenha achado raso. Ou talvez aquelas palavras tenham sido a primeira coisa escrita para ela e só para ela, num tempo em que tudo é genérico, copiado, vendido em lote.
Segui meu caminho. Mas naquela noite dormi com a estranha sensação de ter escrito não um poema, mas uma ponte — entre a minha solidão e a dela. Entre dois desconhecidos que, por segundos, se encontraram não pela carne... mas pelo verso.
Aldo Della Monica
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