Virginia, Cleitinho e o Senado de Lona Rasgada

Virginia, Cleitinho e o Senado de Lona Rasgada

Era uma vez uma república.
    



Não a romana, com seus Cíceros e Catões duelando com palavras afiadas como gládios em defesa da razão pública. Mas a nossa — este palco tropical de horrores cotidianos, onde os nomes não são Marco Túlio, Lúcio Cornélio ou Caio Cássio. Não. Aqui os tribunos se chamam Cleitinho.

Sim, Cleitinho. Um nome que já vem com eco de grupo de WhatsApp de churrasco, mais adequado a um campeonato de truco do que ao Senado da República. E é desse circo de lona puída, armada à sombra de Brasília, que sai a convocação solene: chamar Virginia Fonseca para depor numa CPI.

Virginia. Com V maiúsculo de Vitrine. A deusa do marketing de sorteio, a sacerdotisa do reboco, a rainha dos stories com filtro e jatinho. Uma diva de 105 milhões de devotos que a seguem como se a travessia até Brasília fosse a Via Sacra rumo à Disneylândia. Mas não — era uma comissão parlamentar de inquérito. Ou, pelo menos, uma tentativa de parecer uma.

E o que deveria ter sido o Coliseu da verdade virou desfile de escola de samba improvisada. Em vez de leões, vimos senadores domesticados. Em vez de oratória, selfies. Em vez de confrontos retóricos, tapinhas nas costas e elogios mornos — como se ela tivesse vindo apresentar um novo gloss com ácido hialurônico em vez de responder por ligações com casas de apostas ilegais.

Imagina se fosse na Roma Antiga, meu bem.

Virginia teria mal pronunciado a primeira palavra e já teria sido jantada com palitinho por um Tibério furioso. Lúcio Cornélio Sula, com seu estilo nada sutil, teria a interrompido com um olhar capaz de cortar mármore. Marco Túlio Cícero, com a retórica de trovão, teria desmanchado em minutos aquele verniz de carisma digital, expondo o esqueleto frágil de argumentos embalados com purpurina.

Aliás, jantada com palitinho seria apenas a entrada.

Porque, em tempos menos toscos, a ceia que se serviria à mesa do Senado não teria selfie nem sabatina de sabonete. Seria uma lauta refeição temperada com inteligência e apetite por verdade. No lugar da babação de ovo que a influencer recebeu, teria sido servido o prato principal da razão — com direito a guarnição de perguntas afiadas e sobremesa de consequência.

Mas aqui, no Brasil do excreitinho — sim, com “x” de excrecência e de “ex-bom senso” — os nobres senadores não jantam ninguém. Eles babam. Eles fazem ar de preocupação, mas piscam para a câmera. Transformaram o Senado em estúdio, o plenário em feed, e a CPI em reality show. E tudo isso para quê? Para sair no Instagram da Virgínia, talvez. Vai que ela marca, né?

Enquanto isso, o povo — essa massa anestesiada por Reels e pix de R$ 1,99 — segue votando em quem nasceu do ninho dos excreitinhos, gente cujo currículo inclui vídeos de indignação fake e promessas de moral que duram até o próximo contrato de publicidade com o Tigrinho.

E nós aqui, a plateia cativa desse teatro de horrores, assistimos à encenação de uma tragédia chamada Brasil. O país que já teve Darcy, Betinho, Rosiska, Marighella... e hoje tem Cleitinho.

Ah, se fosse mesmo uma ceia da inteligência...

Virginia teria sido o primeiro prato — crocante por fora, vazia por dentro.

Mas o segundo prato, minha flor, seria servido à base de reflexão: por que temos um Senado que não sabe mais perguntar?
Por que temos um povo que não exige respostas — e se contenta com um sorteio de iPhone?

E o terceiro prato, o mais indigesto, é este: o Brasil virou um teatro de lona rasgada.
E a única coisa que ainda está inteira por aqui é a nossa indignação — servida fria, como todo bom jantar de vingança.

E nós seguimos de pé. De salto. De verbo.
Porque enquanto eles passam vergonha ao vivo,
nós escrevemos a história.
Com sarcasmo, com ferocidade —
e com a boca cheia de verdades que eles não têm coragem de engolir.

— Chica Marrenta

 

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