🎙️ QUANDO A IGREJA SE LEVANTA CONTRA O CRISTO QUE DIZ SEGUIR – O BOICOTE A FRANCISCO
por Chica Marrenta (by Della Monica)
Se Jesus voltasse hoje, não seria crucificado por ateus, hereges ou revolucionários. Seria condenado, mais uma vez, pelos próprios que enchem a boca pra dizer seu nome — com o peito estufado de dogma e os bolsos recheados de privilégio.
Em 2013, a fumaça branca que subiu do Vaticano parecia sinal de paz, mas anunciava, na verdade, o início de uma guerra — fria dentro dos muros da Cúria, e abrasadora no mundo católico lá fora. Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, não era um nome neutro. Era o estopim de uma ruptura.
Desde o começo, sua figura destoava do protocolo: recusou a cruz de ouro, dispensou o trono, evitou os palácios. Preferiu viver com simplicidade e falar com clareza. Trocou o latim das condenações pela linguagem do cuidado. Ao invés do chicote da culpa, ofereceu o peso leve do Evangelho vivo. E isso, para muitos, foi o maior dos pecados.
Francisco não foi apenas um Papa carismático. Ele se tornou, na prática, um corpo estranho dentro da máquina conservadora do catolicismo. Não por negar a tradição, mas por tentar reconciliá-la com o presente. O problema não era teológico. Era político. Era social. Era visceral.
A cada gesto, Francisco apontava o dedo para dentro da própria Igreja — e expunha suas feridas. Falou dos pobres com coragem, questionou o mercado com ousadia, mencionou os LGBTQIA+ sem medo, clamou por justiça ambiental como quem clama por pão. E foi aí que a cruz começou a ser preparada.
Os opositores não tardaram a se organizar. Do colarinho branco ao véu de ouro, formou-se uma milícia discreta e eficiente. Bispos e cardeais fizeram corpo mole, bufaram em silêncio ou atacaram com disfarçada elegância. Movimentos católicos extremistas, que mais parecem seitas de ressentimento, multiplicaram conspirações, questionaram a legitimidade de Francisco, espalharam rumores de heresia.
E fora dos muros do Vaticano, a podridão crescia. Enquanto o Papa falava de fraternidade universal, o mundo assistia à reencarnação política do ódio. Emergiram líderes autoritários disfarçados de patriotas cristãos. Ideologias fascistas se maquiaram de moral familiar. E o rebanho foi, em parte, seduzido pela linguagem da exclusão — não pela do acolhimento.
Países como Brasil, Hungria, Polônia e até Estados Unidos viram crescer movimentos que aplaudiam ditadores e demonizavam Francisco. Uma parte da Igreja virou instrumento desses projetos. Calou-se diante de violações, abençoou armas, relativizou torturas, glorificou a desigualdade como se fosse castigo divino.
E é nesse teatro grotesco que Francisco insiste em ser humano. Quando lavou os pés de migrantes e muçulmanos, não fez um gesto simbólico. Tocou feridas reais. Quando chorou pelos excluídos, desafiou um sistema inteiro que transforma fé em mercado e religião em ideologia.
Ele foi chamado de comunista, de perigoso, de traidor da tradição. Mas sua heresia maior foi lembrar o mundo de que o Cristo que dizem seguir não fundou impérios — morreu torturado por eles.
A ironia? É que seus críticos não o odeiam por falta de fé. O odeiam porque ele os desmascara. Porque seu Evangelho não serve à elite. Não é uma rede de proteção para bilionários. É espada contra a hipocrisia. Francisco não distribui indulgências — distribui desconforto. E num tempo de cristianismo performático, isso é inadmissível.
Talvez, no fundo, a pergunta nunca tenha sido “quem é Francisco?” Mas “quem somos nós diante dele?”. Porque seu maior escândalo não está nas palavras que diz, mas no espelho que nos obriga a encarar. E ali, entre o altar e a sarjeta, vemos revelado o abismo entre fé e conveniência.
Francisco não é perfeito — e nem precisa ser. Mas sua solidão dentro da Igreja diz mais sobre ela do que sobre ele. E se amanhã o Cristo voltasse, quem estaria ao seu lado na cruz? Talvez nenhum príncipe da Igreja. Talvez nem mesmo os fiéis. Mas, com alguma sorte, um velho argentino de batina branca seguraria a madeira — como quem ainda acredita que o amor é mais revolucionário que qualquer dogma.
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