Entre a Constituição e o Cinismo: o Congresso de Ontem e o Lamaçal de Agora

Entre a Constituição e o Cinismo: o Congresso de Ontem e o Lamaçal de Agora

Alguns dias atrás, aqui mesmo neste perfil, fui soterrada por uma chuva de dedos em riste. Críticas apressadas, quase sempre de quem não leu uma linha além do título da postagem — ou, se leu, leu com a alma azeda. Teve quem me chamasse de “isentona”, quem duvidasse da minha lucidez política e até quem, se dizendo “de esquerda”, me mandasse lavar roupa no tanque. Machismo travestido de rebeldia, essa joia rara do pseudo-progressismo de fim de feira.

Mas vamos ao que interessa: eu falava — e torno a falar — da estratégia política de Lula diante de um Congresso que não é conservador, tampouco ideológico. É pior. É um antro de oportunismo descarado, onde tudo se negocia, menos o bem público.

Voltemos um pouco. Houve um tempo em que o Congresso Nacional, ainda que ruidoso, ainda que vaidoso, ainda que cheio de artimanhas — tinha algum pudor. Tinha adversários com ideias. Tinha líderes. Tinha projeto.

A Constituinte de 1988, com todos os seus vícios e vaidades, ainda conseguia produzir um pacto civilizatório. Havia nomes como Ulysses, Arraes, FHC, Genoino, ACM, Dirceu, Marco Maciel. Um queria Estado forte. Outro queria mercado livre. Um sonhava reforma agrária. Outro defendia privatizações. Mas havia alguma coisa em jogo além do próprio umbigo.

Hoje, o que se vê é um Congresso que não pensa. Não debate. Não representa nem direita nem esquerda — representa a si mesmo. Representa os próprios contratos, os próprios feudos, os próprios filhos nomeados em cargos-fantasma. Representa o ranço puro e cristalino da autopreservação como doutrina.

Não é conservador. Ser conservador exige princípios. E ali, meu bem, não há princípio nem pra temperar vinagrete. O que temos é chantagem institucionalizada, emendas bilionárias como moeda de troca, e uma bancada mais interessada em regular o próprio pix do que em discutir qualquer projeto de país.

A velha oposição — por mais dura que fosse — sabia negociar. Sabia tensionar com alguma lógica. Hoje, a lógica é só a do bolso. É um Congresso de varejo sujo, onde cada deputado é uma microempresa de chantagem, e a ética virou item de colecionador.

Neste esgoto federal, Lula tenta nadar. Mas a tática de 2003 — diálogo com partidos, costura política, ministérios como moeda — já não basta. Os partidos viraram siglas de aluguel. As lideranças evaporaram. E o que se tem no lugar é um mercado de votos que funciona a jato, mas só pra quem paga à vista.

O resultado é um governo cercado por hienas parlamentares famintas, sem fidelidade, sem projeto, sem noção do ridículo. Não é exagero dizer que estamos diante de um presidencialismo de refém. A diferença é que o sequestrador agora senta na Mesa Diretora e negocia a próxima emenda entre um café e outro.

Sim, já houve escândalo. Já houve mensalão. Já houve toma-lá-dá-cá. Mas, ao menos, havia uma tentativa de fazer a engrenagem andar. Hoje, nem isso. A engrenagem virou liquidificador. E o país vai sendo moído aos poucos, enquanto os deputados se lambuzam em selfies e discursos de youtuber rural.

Quando falo da estratégia de Lula, não é para endeusá-lo. Nem para livrá-lo da responsabilidade. É para dizer que talvez estejamos diante de uma equação sem solução: um Executivo tentando remar, e um Legislativo jogando pedra na canoa — só pra depois vender o remo.

Não há mais direita, nem esquerda ali dentro. Só um buraco institucional cheio de vaidades, rachadinhas e promessas rasas como pires. E o povo, como sempre, é a xícara que ninguém quer encher.

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