Um concurso nada comum naquele Tatuapé do Inicio dos Anos 60


Parece que certas coisas nunca mudam. Soltar pum, por exemplo, sempre foi um negócio engraçado. Os meninos são mestres nessas coisas. Os garotos daqueles tempos também. Aliás, também tínhamos nossos heróis japoneses. National Kid voava sobre Tóquio e sempre detonava os monstros vilões ao final do filme.
Rua Bom Sucesso 111 - Endereço de infância do Autor:
Aldo Della Monica
Outro dia, revi um trecho do National Kid: vai voar mal assim lá nas arábias…
Outros tempos. No começo dos anos 60, computador era palavrão. O que se diria de computação gráfica e outros desses bichos tecnológicos modernos.
Bem, voando mal ou não, ele era nosso herói japonês.
Bairro de operários e pequenos comerciantes, o Tatuapé parecia uma dessas pequenas cidades interioranas. Quando alguém precisava ir á Praça da Sé, no Centro, dizia: eu vou à cidade. Como se vivêssemos em outro local que não na própria cidade de São Paulo.
A rua Bom Sucesso, asfaltada e recém iluminada, terminava em uma pracinha de terra. Os poucos automóveis que ali passavam pertenciam aos moradores daquele trecho de rua. Não havia movimento de veículos e, nos finais de tarde, dava pra se ouvir muito bem o barulho dos grilos lá da pracinha.
Tal silêncio só era interrompido, vez ou outra, pelo som do trem da Central do Brasil, que passava mais à frente, logo depois da praça.
É… bons tempos, mesmo! A gente nem precisava ter medo de sair à rua.
Lá pelas seis da tarde, banho tomado e com a série do National Kid devidamente atualizada, a garotada saía à rua. Brincava-se no meio da rua mesmo.
Não sei se a idéia foi do Francisquinho, o mais gordinho da rua. Mas, resolvemos promover um concurso de puns. O responsável pelo pum mais barulhento seria o campeão.
Havia uns dez garotos em nosso quarteirão. Todos mais ou menos entre os 9 e 10 anos.
Meninas?… nós só começávamos a reparar que elas existiam: a Miriam, a Denise, Angela, Ilze, Angelina…
Mas foi por causa da Dorinha, a mais velha delas – uns 12 anos- que um garoto passou a frequentar nossa turma: o Dagmar morava lá em cima, quase no final da rua e devia ter a mesma idade da Dora.
Nos intervalos das façanhas do National Kid, os reclames na TV tentavam vender os drops Dulcora, aquele que era embrulhado um a um. Era um tablete de drops que usava o slogan: Drops Dulcora a delícia que o paladar adora! Não demorou para que um de nós democratizasse a idéia: Dulcora, a delícia que o Dagmar a Dora. A gozação não abalou o Dagmar. Ele parecia mesmo apaixonado. Mas, tímido, não conseguia se declarar à Dorinha.
Paulinho, apesar do diminutivo, era o mais alto de nós. Magro e meio despachado, Seu pai era feirante. Vendia balas, doces biscoitos. Vez por outra, quando os sacões de biscoito de polvilho estavam no fim, o pai do Paulinho deixava ele trazer as sobras para a turma. Era apenas o farelo dos biscoitos mas… e a farra? O desafio era fazer alguém encher a boca com o farelo e dizer: minha mãe é rica porque pode. Invariavelmente o p de pode acabava virando ph, ou…f, pra se mais moderno.
Não sei se há explicação científica, mas tenho provas empíricas suficientes de que, depois de comer tanto farelo de polvilho, acabávamos todos, por assim dizer, virando um bando de balões de gás. Acho que foi daí que tiveram a idéia do concurso de puns.
Sábado, final de tarde. Minha tia Inês já tinha voltado da permanente na cabeleireira. Tio Zé Carlos engraxava seu mais novo par de botas. No baile iria rolar Ray Conniff para dançar de rosto colado e Chubby Checker, pra esquentar as cadeiras.Nós, no entanto, estávamos preocupados com outras emoções: hoje, o Dagmar iria se declarar à Dorinha.
Ficamos todos atrás do caminhão que o Seu Mário deixava estacionado na frente de sua casa.
Do outro lado da rua ( em frente à casa da Dona Aracy), o Dagmar: cabelo com corte americano curto máquina 1, calça nova com barra, camisa branca e pulover azul marinho.
– Olha lá, a Dorinha vem vindo!
Ela morava na pracinha.
Dava pra ler os lábios do Dagmar tentando relembrar o que ele devia ter ensaiado nos últimos quinze dias: você tem namorado; qual a sua religião (coisas de nossa educação no colégio das Irmãs); você quer namorar comigo?!
A Dorinha se aproximou.
Mal o Dagmar pôs as mãos nos bolsos, mostrando que iria começar a sua declaração e… uma explosão familiar ecoou pela silenciosa Bom Sucesso.
– O que foi isso?! gritou assustada a Dorinha.
Nada não! Era o Paulinho que acabava de vencer o concurso…

Link para a página de Milton Jung: CLIC AQUI

Postar um comentário

0 Comentários